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por Tom Coelho
“O
que quer que você seja capaz de fazer, ou imagina ser capaz, comece.
Ousadia
contém gênio, poder e magia.”
(Goethe)
A cada minuto de nossas vidas estamos sempre assumindo dois papéis: o de
professor e o de aluno. Dependendo do momento, do tema e do interlocutor,
colocamos um ou outro véu. E num diálogo realmente edificante, chegamos mesmo a
utilizar ambos.
Porém, em regra, somos maus professores. Maus porque pregamos a
mediocridade, inibimos a audácia, coibimos o risco, desestimulamos a galhardia.
Ser medíocre é ser comum, mediano, modesto, despretensioso. Ser medíocre é
estar seguro, ainda que não se esteja bem. Ser medíocre é fruto natural de
nossa cultura ibérica e de nossa tradição católica.
Empregados sem empregos
Nossas escolas de ensino fundamental privilegiam uma alfabetização
metódica, padronizada, enquadrando as crianças num plano bidimensional. São ao
menos nove anos de estudos sem incentivo à criatividade e à ousadia. Depois,
quem pode gasta uma soma considerável com um terapeuta ou em um curso de
especialização para instruir seu filho a traçar linhas curvas e não apenas
retas, a misturar cores quentes e frias, a experimentar outras formas geométricas,
a unir nove pontos alinhados três a três com apenas quatro retas.
O ensino médio, por sua vez, produz exércitos dotados de baionetas com
as quais assinalarão “x” dentre cinco alternativas possíveis para, aí sim,
ingressando no chamado ensino superior, compor uma legião de empregados para um
mundo sem empregos. A própria estrutura de ensino promove a subserviência, seja
por intermédio do método expositivo de aulas, seja através do respeito incólume
às hierarquias, seja por meio dos trabalhos de conclusão ou estágios
supervisionados, sempre focalizados em grandes empresas e com conteúdo
discutível.
Nosso modelo de ensino não instiga o pensar. História é para ser
decorada, e não entendida. Matemática é para se aprender por tentativa e erro,
e não por tentativa e acerto. Português
tem muitas regras, não se sabe para quê, não émano?
Abolimos as aulas de Educação Moral e Cívica porque remetiam à lembrança
dos tempos da ditadura, em vez de modernizarmos seu programa. O resultado é que
hoje não se sabe mais cantar o Hino Nacional, o qual só é ouvido em jogos de
futebol ou quando somos agraciados com alguma façanha em um evento esportivo.
Foi-se embora o culto ao patriotismo e o amor ao verde-amarelo. Foi-se também a
oportunidade de se ministrar um pouco de ética e de responsabilidade social.
Mediocridade ensinada
Nossa mediocridade ensinada acaba permeada em nossas vidas sem que nos
apercebamos disso. Nossas empresas tornam-se medíocres porque não têm o gene do
empreendedorismo, em especial o empreendedorismo de oportunidade, aquele que
gera valor, que produz riqueza, que semeia empregos qualificados e de forma
sustentada. Falta-nos a ousadia para adotar novas práticas, da remuneração
variável ao horário flexível, da gestão compartilhada à participação nos resultados.
Nossa mediocridade ensinada congela nossos ímpetos corporativos,
impedem-nos de investir em nossas próprias ideias, de acreditar em nossos mais
castos ou ambiciosos sonhos. O risco, palavra derivada do italiano antigo risicare e que significa nada menos do que
“ousar”, deixa de ser uma opção, deixa de ser um destino.
Nossa mediocridade ensinada se mostra presente em nossas vidas pessoais,
exacerbando nossa timidez, trazendo consigo a hesitação por uma palavra, por um
beijo, por uma conquista mútua. Tempera relações sem usar sal ou pimenta, adota
a monotonia e culpa a rotina. Observe como nunca somos medíocres no início de
um namoro, da troca de olhares ao flerte, do perfume das flores ao sabor dos
bombons. Tudo isso até o primeiro beijo, o único de fato verdadeiro, pois dele
deriva muitos outros até os finalmente protocolares, como a nota cinco
necessária para se passar de ano.
Pílula azul ou vermelha?
Vivemos em uma nação na qual, mesmo após mais de meio século, a terra
ainda devolve com fartura tudo o que nela se planta. Não somos vitimados por
catástrofes naturais. Somos dotados de grande simpatia e predisposição ao
trabalho. Então, por que sermos medíocres?
O que nos impede de reproduzir em larga escala a criatividade de nossa
publicidade, a inteligência de nosso design, a beleza de nossa moda, a
eficiência de nossa agroindústria da soja, a ousadia de milhões de pessoas que
teimam em se manter vivas com um punhado de reais ao longo de todo um mês?
Ou a vida é uma aventura ousada, ou não é nada. Do contrário, não
vivemos, apenas vegetamos. À luz de um ícone criado no filme “Matrix”, podemos
tomar a pílula azul, esquecer tudo isso, e tratar o ensino com objetivo
exclusivo de satisfazer estatísticas, empenhados em reduzir índices de evasão e
elevar taxas de escolaridade. Mas podemos optar pela pílula vermelha, e
incentivar a escola democrática, substituir a forma desinteressante e
desatrelada da realidade de educar pelo estímulo à curiosidade, encorajando o
aprendizado ao invés do ensino porque ousadia é uma forma de ser e não de
saber.
* Tom Coelho é
educador, conferencista e escritor com artigos publicados em 17 países. É autor
de “Somos Maus Amantes – Reflexões sobre carreira, liderança e comportamento”
(Flor de Liz, 2011), “Sete Vidas – Lições para construir seu equilíbrio pessoal
e profissional” (Saraiva, 2008) e coautor de outras cinco obras. Contatos
através do e-mail tomcoelho@tomcoelho.com.br.
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