Quem nunca pecou no trabalho, que atire o primeiro mouse.
Na verdade,
todos nós estamos expostos às tentações do mundo corporativo. Assim como
os sete pecados capitais estabelecidos pelo papa Gregório I no século 6 d.C.,
os pecados corporativos que listamos nesta reportagem trazem danos não só
ao espírito dos profissionais que os praticam, mas também ao convívio entre os
colegas, ao desempenho das equipes e até à imagem da companhia.
A ganância, a soberba, a ira, a preguiça, a inveja, a luxúria e até a
gula são pecados muito intrínsecos na realidade das empresas. Principalmente
nos dias atuais. A estes sete pecados profissionais somam-se ainda dois males
contemporâneos, a intolerância e a ostentação, tão nocivos quantos os outros.
Confira a seguir mais informações sobre alguns dos pecados
no trabalho, da ganância à preguiça, publicados no ano passado
em matéria de Fabiana Corrêa e Jeniffer Gonzalez, da Você SA.
Ganância
A Justiça da França, em outubro, condenou a cinco anos de prisão Jérôme
Kerviel, ex-operador do banco Société Générale, acusado de fraudes que
totalizam 4,9 bilhões de euros. Na Europa, ele tornou-se símbolo da cobiça que
quase levou o sistema financeiro ao colapso em 2008. Em Wall Street — O
Dinheiro Nunca Dorme, sequência do filme de 1987, o personagem Gordon Gekko,
vivido por Michael Douglas, tem como lema “a ganância é boa”.
Trata-se de uma referência ao investidor Ivan Boesky, que declarou “a
ganância é saudável”. No ano passado, pesquisadores da Universidade da
Califórnia fizeram estudos para testar a frase de Ivan. A constatação: os mais
ricos não só mentem mais em negociações como também adotam muitas atitudes
antiéticas. A seguir, o psicanalista Jorge Forbes analisa os estragos de se
levar uma vida gananciosa.
Ambição versus ganância
A ambição profissional está ligada à superação, a buscar a excelência em
uma trajetória orientada pelo seu desejo. A ganância está ligada ao ganho por
ganhar, indiferenciado, acumulativo. O ávido comporta-se em sua carreira tal
qual o guloso com a comida (veja o quadro Gula). É um glutão cujo único
termômetro é o quanto consegue “comer” de oportunidades que vê pela frente.
Como funciona a mente do ganancioso
Ele quer aquilo que o faça “mais” — mais rico, mais
poderoso. Suas escolhas seguem somente essa lógica, sem nenhum refinamento ou
singularidade. Seu prazer é grosseiro. Por trás desse comportamento está
a covardia da escolha. O ganancioso não se arrisca a escolher o que quer —
porque pode errar, como qualquer pessoa —, por isso resolve essa dúvida tão
humana querendo tudo. É incessante a busca de possuir o que lhe aparece pela
frente.
No trabalho
A ganância atrapalha o trabalho. O cobiçoso lida com coisas diferentes
como se fossem todas iguais. Para ele, tudo é oportunidade para ter mais,
aparecer mais, ganhar mais — independentemente da tarefa e do que fará com o
resultado. Uma pessoa gananciosa pode se beneficiar de um tratamento psíquico,
mesmo porque, além de trabalhar mal, ela sofre de indigestão competitiva. É
alguém angustiado, que sempre se pergunta se deixou passar alguma oportunidade,
ou se alguém está “comendo” o seu “prato” corporativo.
Dentro das empresas
Muitas empresas gananciosas não permitem que seus funcionários também o
sejam. É bem comum essa contradição. De forma semelhante ao que acontece
com uma pessoa, uma companhia perderá o controle de sua trajetória se for ávida
por ganhos exorbitantes.
A ganância é burra, sem graça, pois não diferencia o que se deseja. O
futuro exige mais escolha diferenciada do que essa ambição desmedida. É
claramente mais difícil, pois implica escolhas, o que é sempre um risco.
Como superar
Esse mal aborrece o seu praticante até o ponto de ele preferir enfrentar
a angústia da escolha, ou seja, o risco de viver. Para suportar esse momento,
pode ser necessária psicanálise. Do contrário, é como regime malfeito: passado
um tempo, volta tudo a ser como antes.
Gula
Em um país no qual 40% da população está acima do peso, é fácil concluir
que a gula é um pecado comum. Basta pensar no que ocorre na praça de
alimentação do shopping mais próximo a seu trabalho na hora do almoço, de
segunda a sexta, para imaginar o quanto as pessoas descontam na comida a
pressão que trazem do escritório. Muitas empresas adotam programas de redução
da obesidade.
A gula provavelmente é o mais suave dos pecados corporativos, pois
geralmente atinge apenas o próprio pecador — ou talvez o colega ao lado, caso o
glutão insista em comer tangerinas no escritório. “Ainda que não prejudique
muita gente, o profissional de respeito tem de tomar cuidado para não virar
motivo de piada no departamento”, diz o consultor Julio Sergio Cardozo,
ex-presidente da Ernst & Young, que teve um guloso em sua diretoria.
“Imagine um executivo passar o dia com um pacote de biscoitos na mão? Você
precisa tomar muito cuidado com suas atitudes para que as pessoas respeitem
você”, afirma Julio.
Soberba
Em 2007, às vésperas do lançamento do primeiro iPhone, da Apple, o
presidente da Microsoft, Steve Ballmer, fazia troça do concorrente. “Quinhentos
dólares por um telefone? É o telefone mais caro do mundo e nem tem um
teclado!”, disse Steve, em um vídeo com 758 000 visualizações no YouTube. Hoje,
cinco anos e 26 milhões de iPhones vendidos em todo mundo depois, a opinião de
Steve transborda arrogância. Na história dos negócios, a incapacidade de ver o
crescimento de um novo concorrente já vitimou inúmeras companhias.
Por trás desse erro tão cometido está a soberba dos líderes, que
menosprezam quem não tem o mesmo porte. Steve desprezou o iPhone como as
montadoras americanas ignoraram as fabricantes japonesas nos anos 1970. “Você
tem a tendência de achar que o que faz é melhor do que aquilo que os outros
fazem”, diz o filósofo pernambucano Luiz Felipe Pondé.
Como um pecado tão antigo se manifesta no
mundo atual?
A soberba é o primeiro e o pior pecado. Vem de Adão e Eva, que desejavam
ser iguais a Deus. E como não podiam, mentiram para si mesmos e para todos,
fingindo que o eram. Para Santo Agostinho, esse comportamento é da natureza
humana, como Édipo está para Freud. É uma espécie de trauma que todo mundo
carrega, algo hereditário, uma doença genética. O interessante é que a
arrogância é uma reação a uma economia da autoestima negativa.
E não dá para fugir disso: você sabe que é gordo demais ou pobre demais
ou chato demais. Sempre há algo em falta nessa economia. As pessoas sempre
acham que estão aquém do que gostariam de ser. A soberba é a reação imediata a
isso. Você tem a tendência de achar que o que faz é melhor do que aquilo que os
outros fazem. Vai sempre negar um estado de insuficiência, de carência, que a
gente não quer vivenciar.
Mas algumas pessoas realmente fazem sucesso…
Sim, e essa é uma situação muito interessante. Quando você tem sucesso,
precisa educá-lo, dar um certo limite a ele. Do contrário, vão querer bater
mais em você. No mundo do trabalho, a soberba é um desafio justamente para os
bem-sucedidos, porque eles têm motivo para serem soberbos.
Como profissionais criam raciocínios
orgulhosos
1.“Sou bom em
tudo” – Excesso de confiança em suas competências faz o profissional ser
orgulhoso demais para pedir ajuda.
2.“Sei o que o
cliente quer” – Presunção de profissionais que consideram desnecessário
consultar o mercado para validar suas estratégias.
3.“Não há nada de
errado comigo” – Atinge gestores que, pressionados a melhorar o desempenho,
resistem a obedecer, argumentando que estão certos e a empresa, errada.
4.“A concorrência
é ruim” – A soberba dos líderes de mercado que menosprezam concorrentes de
menor porte.
5.“Render-se,
nunca. Retroceder, jamais” – Estado de negação em que profissionais recusam-se
a rever uma estratégia que está dando errado.
Preguiça
A preguiça, originalmente, não tinha nada a ver com falta de vontade de
trabalhar. “O preguiçoso era o homem que não se esforçava para salvar sua
alma”, diz o filósofo Mario Sergio Cortella, de São Paulo. Na idade média, esse
pecado traduzia uma melancolia que abatia os homens e os impedia de agir.
Podemos traduzir também como apatia. No trabalho, uma dose de preguiça pode até
ser produtiva de vez em quando. É o tal do ócio criativo. Mas viciar-se nesse
estado de moleza compromete a imagem profissional. Sem motivação, ninguém
avança.
Como a preguiça se manifesta no trabalho?
Na Idade Média, ela era chamada de acédia, a preguiça de salvar-se em
Deus. A pessoa tomada por esse pecado não queria fazer nada para buscar a
salvação. Assim é no trabalho e na carreira: há muita gente que não quer fazer
nada por si mesmo. O preguiçoso transfere a ausência de motivação para a
carreira e substitui a ideia de esperançar, que é uma postura ativa, para a
ideia de esperar, uma atitude passiva. O preguiçoso é aquele que adia em vez de
realizar. Está sempre esperando alguém fazer com que as coisas aconteçam.
Como lidar com nossa própria preguiça?
Se você está procrastinando demais, tem primeiro de descobrir se é
preguiça mesmo ou se é estresse. Existe um adiamento prazeroso, mas também há a
desmotivação, que você sente quando simplesmente não vê sentido em cumprir uma
tarefa. É o esforço sem sentido. De certa maneira, é muito bom ter um chefe que
coloque prazos e metas e cobre isso de você, que estabeleça consequências para
trabalhos que não são entregues ou tarefas que não são cumpridas.
Inveja
O atacante Hulk, da seleção brasileira, foi contratado em setembro pelo
Zenit, time russo, por 143 milhões de reais. Seu início na Rússia foi duro.
Hulk foi boicotado pelos novos companheiros. O motivo seria o salário do
brasileiro, estimado em 17 milhões de reais por ano. Invejar a renda é talvez o
mais comum dos pecados corporativos — e pode ser o mais doentio também. “A
inveja não é querer o que o outro tem, é querer que o outro não tenha”, diz
Nilton Bonder, rabino e autor de A Cabala da Inveja (Editora Rocco).
Como a inveja pode se manifestar no trabalho?
No trabalho acontece, como na família ou na escola, entre pares.
Invejamos pessoas próximas. O que chamam de inveja positiva não é inveja. Pode
ser ambição. A inveja é sempre destrutiva. Ela não soma, multiplica ou divide.
Ela sempre subtrai.
Ela não nos faz querer ser melhor?
Inveja é doença e precisa de tratamento. Danifica, além da saúde, nossa
produtividade e nosso profissionalismo. Quando tentamos impedir que outro tenha
sucesso, colocamos a empresa em risco. Gestores devem estar atentos a esse
comportamento e mostrar que ele contraria a visão da empresa.
Intolerância
O conselho do Citigroup anunciou em outubro a saída de seu presidente
mundial, Vikram Pandit, e sua substituição por outro executivo do grupo,
Michael Corbat. Vikram assumiu o principal cargo executivo da instituição em
dezembro de 2007 em um momento em que o banco perdeu dezenas de bilhões de
dólares na bolha imobiliária americana. O executivo enfrentou a crise, cortou
110 000 empregos e ficou famoso por reduzir seu salário para 1 dólar.
Em 2010, sob sua gestão, o Citi voltou a lucrar. De lá para cá, Vikram
entrou em atritos com a cúpula, que exigia resultados mais expressivos. Por não
conseguir entregá-los, Vikram foi substituído, apesar de seu esforço para
recuperar as contas da instituição. A história mostra como o mundo dos negócios
é implacável. Quando o profissional deixa de dar resultado, sua história
importa pouco. Mas a intolerância não reside apenas nos grandes números.
Pequenas manifestações diárias de intolerância podem ser percebidas no
tratamento que se dá ao funcionário de TI, que conserta um computador quebrado.
Levamos para dentro do escritório o rigor, o alto nível de exigência de uma
sociedade que se vê mais como consumidora do que como cidadã. “Não toleramos
situações que provocam frustração ou descontentamento”, diz Dulce Critelli,
professora titular de filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP) e coordenadora do Existentia, Centro de Orientação e Estudos da
Condição Humana.
Intolerância versus…
… convivência
A convivência é tão importante para os homens que eles abrem mão de
ideias e propósitos para chegar a um meio termo com o outro. É em nome desse
convívio que estabelecemos acordos. Mas há quem confunda intolerância com
autoafirmação. Quem age assim acha que estabelecer acordos é deixar de ser
verdadeiro. É um equívoco. Nossa vida depende de acordos. Cada parte envolvida
ganha e perde algo. Antes de reagir, pergunte: posso alterar a situação sem ser
tão rígido? O que pretendo com minha intolerância?
… cooperação
Em uma empresa, em que o nível de cooperação tem de ser o melhor
possível, a intolerância é tão prejudicial quanto em qualquer outro meio. O
intolerante não consegue compreender o outro em suas intenções e interpreta
tudo segundo seu próprio código e padrões de conduta. Não admite que o outro
possa ter um ponto de vista, um desejo ou um modo de vida diferentes. E não faz
isso de forma passiva. Ele reage com certa intensidade contra tudo com que não
concorda. Há uma violência na intolerância. É importante compreender que a vida
é cheia de diferenças e que elas podem nos ajudar a ampliar nossos horizontes e
possibilidades.
Fonte: http://www.veralana.com.br/blog/pecados-profissionais/
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