O narcisismo,
a superficialidade e o distanciamento, entre outras características das
relações virtuais, formam pessoas cada vez mais individualistas e egoístas
É indiscutível
o importante papel que as redes sociais desempenham hoje nos rumos de nossa
vida política e privada. São indiscutíveis também os avanços que introduziram
nas comunicações, favorecendo o reencontro e a aproximação entre as pessoas e,
se forem redes profissionais, facilitando a visibilidade e a circulação de
pessoas e produtos no mercado de trabalho. A velocidade com que elas veiculam
notícias, a extensão territorial alcançada e a imensa quantidade de pessoas que
atingem simultaneamente não eram presumíveis cerca de uma década atrás, nem
mesmo pelos seus criadores.
Temos sido
testemunhas, e também alvo, do seu poder de convocação e mobilização, assim
como da sua eficiência em estabelecer interesses comuns rapidamente, a ponto de
atuarem como disparadoras das várias manifestações e movimentos populares em
todo o mundo atual.
Portanto, não
podemos sequer supor que elas tragam somente meras mudanças de costumes, porque
seu peso, associado ao desenvolvimento da informática, é semelhante à
introdução da imprensa, da máquina a vapor ou da industrialização na dinâmica
do nosso mundo. As redes sociais provocam mudanças de fundo no modo como as
nossas relações ocorrem, intervindo significativamente no nosso comportamento
social e político. Isso merece a nossa atenção, pois acredito que uma
característica das redes sociais é, por mais contraditório que pareça, a
implantação do isolamento como padrão para as relações humanas.
Ao participar
das redes sociais acreditamos ter muitos amigos à nossa volta, sermos
populares, estarmos ligados a todos os acontecimentos e participando
efetivamente de tudo. Isso é uma verdade, mas também uma ilusão, porque essas
conexões são superficiais e instáveis. Os contatos se formam e se desfazem com
imensa rapidez; os vínculos estabelecidos são voláteis e atrelados a interesses
momentâneos.
Além disso, as
relações cultivadas nas redes sociais se baseiam na virtualidade, portanto, no
distanciamento físico entre as pessoas. Isso nos permite, com facilidade,
entrar em contato com as pessoas e afastá-las quando bem quisermos. Tal
virtualidade garante comunicação sem intimidade.
Em 1995,
quando as redes sociais nem sequer eram cogitadas, o filme americano Denise
Calls Up (Denise Está Chamando) já apresentava uma crítica às relações
estabelecidas entre as pessoas através dos recursos da época: computador,
telefone e aqueles enormes celulares. Os personagens eram alguns amigos que se
comunicavam continuamente, mas tinham muitas dificuldades e até mesmo aversão
de se encontrar pessoalmente. Também namoro e sexo aconteciam virtualmente.
Nunca me
esqueci desse filme, impressionada que fiquei com a possibilidade, hoje tão
iminente, de mutações essenciais nas condições de nossa existência. O que
aconteceria conosco se não precisássemos mais da proximidade física de uns com
os outros? O que morreria em nós, se essa proximidade deixasse de acontecer?
Quando Hannah Arendt, pensadora contemporânea da política, analisou os totalitarismos do século passado, apontou para o projeto desses sistemas de tornarem os homens supérfluos. Para tanto, entre outros expedientes, mantinham as pessoas isoladas umas das outras.
Quando Hannah Arendt, pensadora contemporânea da política, analisou os totalitarismos do século passado, apontou para o projeto desses sistemas de tornarem os homens supérfluos. Para tanto, entre outros expedientes, mantinham as pessoas isoladas umas das outras.
Separavam-nas
de seus familiares, de suas comunidades, inclusive das pessoas com quem
coabitavam nos galpões dos campos de concentração, instaurando entre elas a
suspeita e o medo de delações. Isolavam classes sociais promovendo contendas e
animosidades entre elas. Isolavam as pessoas do seu próprio eu, exaurindo-as
com trabalho e mantendo-as doentes e famintas. O isolamento torna os indivíduos
manipuláveis e controláveis, como coisas. Os sistemas totalitários sabem muito
bem que, isolados, os homens perdem a capacidade de se expor e de agir.
Na nossa
atualidade o isolamento tem um perfil diferente, porque é mais voltado para a
intensificação do individualismo, cujos interesses afastam-se a cada vez mais
das questões sociais. As recentes manifestações populares embora devam sua
ocorrência às redes sociais, mantêm o caráter do individualismo e do
isolamento, pois os participantes não criam vínculos entre si. Expressam suas
opiniões, caminham juntos, mas é só isso.
Arendt tem por pressuposto de suas análises a condição humana da pluralidade, ou seja, o fato de vivermos entre homens e jamais chegarmos a ser nem um ser humano nem mesmo os indivíduos que somos longe da companhia dos outros. Os outros, tanto quanto o ambiente em que vivemos, nos constituem, daí que, se o distanciamento interpessoal for se estabelecendo como nova condição de existência, nossa própria humanidade poderá sofrer o impacto de uma mutação.
Arendt tem por pressuposto de suas análises a condição humana da pluralidade, ou seja, o fato de vivermos entre homens e jamais chegarmos a ser nem um ser humano nem mesmo os indivíduos que somos longe da companhia dos outros. Os outros, tanto quanto o ambiente em que vivemos, nos constituem, daí que, se o distanciamento interpessoal for se estabelecendo como nova condição de existência, nossa própria humanidade poderá sofrer o impacto de uma mutação.
Os próprios
equipamentos para acesso às redes, que estão conosco o tempo todo e exercem
intenso fascínio sobre nós, corroboram com esse isolamento.
Tenho ficado
irritada com muitos de meus alunos que ficam consultando seus celulares e
notebooks durante as aulas, como se estivessem fazendo anotações, mas acho que
estão ligados às redes sociais. Talvez as aulas, sobretudo as de Filosofia,
sejam muito chatas. Nelas não se pode pular de um assunto para outro, nem
entrar em contato com múltiplas informações ao mesmo tempo, como se faz nas
telas do computador, nem ficar livre de esforços do pensamento com análises e
reflexões. Nas aulas não se pode passar por alto dos assuntos e situações.
Já em 1927, em
seu livro Ser e Tempo, Martin Heidegger percebia esse comportamento cotidiano
dos indivíduos de tomar tudo pelo aspecto e o nomeou de “avidez de novidades”.
O que interessa é sempre a próxima novidade, o próximo assunto, a próxima
notícia... Também identificava como “falação” um comportamento complementar:
todos falam sobre tudo, sabem de tudo, mas não compreendem nada em profundidade.
Parece que
“falação” e “avidez de novidades” estruturam a participação nas redes sociais.
As pessoas já estão acostumadas a comentários rápidos e superficiais sobre tudo
e todos. É fácil ver nesses comentários a preocupação de cada qual em
simplesmente dar sua opinião, mais do que ouvir a alheia. A opinião do outro é
apenas a oportunidade para se expressar a sua própria.
O outro parece
importar, mas de fato não importa. Importam apenas a própria posição e a
autoexposição. Daí a constante informação sobre as viagens, os pensamentos, as
emoções, as atividades de alguém. É preciso estar em cena e sempre. Há nisso um
evidente desenvolvimento do narcisismo e, consequentemente, do reforço do
distanciamento entre as pessoas.
Faz parte
desse narcisismo o fato de as pessoas terem de tratar a si mesmas como se
fossem mercadorias. Em alguns de seus escritos, Zygmunt Bauman tem apontado
para a necessidade das pessoas, sobretudo dos jovens, de se ocuparem
sobremaneira com sua imagem nas redes sociais. Elas precisam escolher as fotos
que melhor as apresentem, que as tornem atraentes e desejáveis. Aquelas que não
souberem se vender correm o risco da invisibilidade e da exclusão.
Meu propósito,
aqui, foi apenas o de levantar dados para uma reflexão. Mas quero acentuar que
essas tendências das redes sociais – a virtualidade, o distanciamento, a
superficialidade, a superfluidade do ser humano, a exposição narcísica, a
ilusão de intimidade e popularidade, a “falação” e a “avidez de novidades”... –
constituem o padrão de isolamento das relações pessoais. E quanto mais
isolados, mais ficamos à mercê de controles e manipulações. Cada vez mais
ameaçados na autoria do nosso destino pessoal e político.
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