terça-feira, 23 de julho de 2013

Uma questão de afinidade

Por que você precisa se identificar com a cultura da sua empresa

Num trabalho recente para uma empresa do sul do país, encontrei a reprodução de uma situação que tem se tornado extremamente comum. Deparei com um profissional com excelente qualificação técnica, grande experiência e um profundo senso de responsabilidade. Em sua ficha, constava também que ele estava há muito tempo na organização. Acontece que aquele profissional nunca tinha passado do escalão médio. Seu perfil era de diretor. Seu papel era de subgerente. Qual a razão dessa contradição? Ao entrevistá-lo, o mistério se desfez para mim: ele era, na cultura da empresa, um estranho no ninho.

A cultura de uma empresa não é algo abstrato. Ela diz respeito a um conjunto concreto de formas de agir, de se expressar, de se comunicar, até mesmo de se vestir. Há códigos implícitos de conduta e de comportamento que são decisivos e constituem a personalidade da empresa. Quem não estiver sintonizado com esses códigos dificilmente conseguirá ter boas chances de crescimento. Não se trata de achar que todos os profissionais devem ser clones uns dos outros, mas de perceber o imenso peso que a identificação com a cultura tem hoje no desenvolvimento da carreira.

O caso desse profissional era de total falta de afinidade cultural. A empresa tinha raízes na tradição germânica e um ambiente circunspecto, um tanto silencioso e muito formal. Muitos colegas tratam-se por "senhor". No meio disso, o nosso subgerente primava pelo humor, chegando a fazer algumas ironias com a seriedade dos outros. Um sujeito expansivo, muito inteligente e que gostava de contar "causos" e de dar risadas.

O que a empresa via nisso? Falta de confiabilidade. "Não dá para confiar, ele é meio moleque", disse um dos diretores. "É inteligente, muito bem preparado, mas é um pouco fora do padrão." Havia ali um talento subaproveitado por falta de afinidade cultural. Esse foi o diagnóstico que apresentei para o caso. Conversei sobre isso com a direção da companhia, mas sabia de antemão que ele dificilmente seria mais bem aproveitado ali.

Com extrema correção e sentido ético, os diretores concordaram com minha avaliação. "Realmente será difícil ele passar para um escalão mais alto, mesmo tendo qualificação para isso. Sinta-se à vontade para conversar sobre isso com ele e, se conhecer alguma oportunidade profissional na qual ele se encaixe, ajude-o a crescer", disse o diretor de recursos humanos. Três meses depois, tive a oportunidade de oferecer àquele subgerente um cargo de direção numa empresa de comunicação na qual ele se encaixava culturalmente. Ele ainda está lá, numa posição de destaque.

Esse caso é uma grande lição. Ele indica que precisamos fazer avaliações constantes de nossa vida profissional, não apenas do ponto de vista da qualificação e do desempenho, mas também do ponto de vista da afinidade entre a nossa personalidade e a da empresa. Diversos casos de carreiras empacadas podem ser explicados por essa falta de afinidade. A empresa não demite o profissional, pois ele é competente, mas não permite seu crescimento, porque ele é diferente.

Nesses casos, a melhor solução nem sempre é buscar uma nova posição. Podemos também aprender a agir e a nos comportar de forma diferente. Desde que -- é claro -- isso não signifique nenhuma violência à nossa própria forma de ser e de pensar.

Artigo de autoria de Simon M. Franco, publicado na Edição 806 da Revista EXAME 

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