A valorização das relações humanas no trabalho pode ser
uma armadilha
Um ambiente agradável e de respeito às pessoas é
fundamental para o bom desempenho de nossas atividades profissionais. Com a
diminuição de níveis hierárquicos nas organizações, a redução do número de
cargos de chefia e a necessidade de promoção de trabalho em equipe, as relações
humanas passaram a ser cada vez mais valorizadas no mundo do trabalho. A
hierarquia rígida está sendo substituída pela cooperação e pela colaboração.
Há, com isso, mais "calor humano" dentro das organizações. O
resultado dessa mudança, mesmo com todo o avanço existente, é uma armadilha: a
confusão entre a esfera das relações privadas e a esfera do relacionamento
profissional.
Percebi isso na conversa com um executivo recém-demitido. "Eu não entendi o que aconteceu. O dono da empresa gostava de mim, os funcionários também gostavam de mim. Éramos quase uma família." Achar que formamos no trabalho quase uma família é o enunciado mais claro da confusão que mencionei.
As necessidades da organização, as avaliações de desempenho, as metas ou mesmo a necessidade de renovação para oxigenar a empresa estão acima desses supostos vínculos quase familiares.
É um erro acreditar que o afeto e as ligações que regem a vida íntima possam valer para a vida profissional. Quando isso acontece, aliás, caímos numa falha ética, na forma de favorecimento a parentes ou amigos. Bem pesadas as coisas, conseguir um emprego ou um cargo em razão de ligações afetivas é algo tão problemático quanto acreditar que os vínculos afetivos que criamos com os companheiros de trabalho ou com nossos chefes é suficiente para garantir nosso emprego.
A confusão entre essas esferas pode levar também, e freqüentemente leva -- ao pólo contrário: a transformação da vida íntima numa espécie de continuação da vida profissional. Isso acontece muito na relação com os filhos, por exemplo. O profissional que exige do filho que se torne um espelho do seu sucesso, ou que faz de tudo para o filho seguir os passos que ele mesmo seguiu, está tentando fazer da vida do filho um plano de carreira. Ora, filhos não são para ser promovidos, eles devem ser amados. E se pensarmos um pouco veremos o quanto de atitudes empresariais acaba contaminando grande parte de nossas relações afetivas, que para muitos passam a ser vistas na forma de contratos com exigências recíprocas.
Como disse no início, um ambiente agradável e humano é fundamental para o bom desempenho de nossas atividades profissionais, mas ele não perde nunca as características próprias. O executivo que me levou a essas reflexões não conseguia mais fazer essa distinção. Após conversarmos, ele foi aos poucos identificando as questões objetivas que o haviam levado à demissão entre elas, o acomodamento gerado pela sensação de estar em casa.
A empresa não é uma família. A empresa não é um círculo de grandes amigos, embora possamos fazer muitas amizades verdadeiras no ambiente de trabalho. A empresa não é nossa casa. O clima mais humano do mundo do trabalho não deve nunca ser tomado por aquilo que ele não é, pois se fizermos isso o risco de decepção e mesmo de perda de foco profissional será muito grande.
Artigo de autoria de Simon M. Franco, publicado na
Edição 807 da Revista EXAME
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