Pouco
antes de morrer, Roland Barthes pronunciou a sua conferência inaugural como
professor do College de France.
Sabia
que estava ficando velho, mas saudava a velhice como tempo de recomeço, o
início de uma “vita nuova”.
E ao
terminar sua fala fez uma confissão pessoal espantosa.
Disse
que havia chegado o momento de entregar-se ao esquecimento de tudo o que
aprendera.
Tempo
de desaprender.
As
cobras, para continuarem a viver, têm de abandonar a casca velha.
Também
ele tinha de abandonar os saberes com que a tradição envolvera.
Somente
assim a vida poderia brotar de novo, fresca, do seu corpo, como a água brota
das profundezas onde estivera enterrada.
E
disse então que este era o sentido de ficar sábio: Nada de poder; um
pouquinho de saber; e o máximo possível de sabor…
Ele
dizia que era isto que pretendia ser, daquele momento para frente: um mestre
do prazer, aquele que se dedica a ensinar a seus jovens alunos o gosto bom
das coisas!
Quem
toma uma decisão como esta está afirmando que o prazer é a única coisa que
vale a pena. Vivemos para o prazer.
O que
é espantoso é que tal revelação lhe tenha sido feita quando ele já deixara
para trás os anos da juventude.
Talvez
que a sabedoria seja coisa crepuscular.
Há
pessoas que só conseguem ver direito depois que a velhice chega.
É
preciso muito pouco.
A
alegria está muito próxima. Mora no momento.
Nós a
perdemos porque pensamos que ela virá no futuro, depois de algum evento
portentoso que mudará a nossa vida.
E a
gente fica esperando que ela haverá de chegar depois da formatura, do
casamento, do nascimento, da viagem, da promoção, da loteria, da eleição, da
casa nova, da separação, da morte do marido, da morte da mulher, da
aposentadoria…
E ela
não chega porque a alegria não mora no futuro, mas só no agora.
Ela
está lá, modesta e fiel, no espaço da casa, no espaço da rua.
Se
não a encontramos, não é culpa dela é culpa nossa.
Nossos
pensamentos andam muito longe dos lugares onde ela mora e, por isso, nossos
olhos não a podem ver.
Velhice
é quando se percebe que não existe no futuro nenhum evento portentoso por que
esperar, como início da felicidade.
Por
isso, talvez, os jovens devessem aprender com os velhos que é preciso viver
cada dia como se fosse o último.
A
alegria mora muito perto. Basta esticar a mão para colhê-la, sem nenhum
esforço.
Mas,
para isso, seria necessário que os nossos olhos fossem iluminados pela luz do
crepúsculo.
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sexta-feira, 17 de março de 2017
A alegria mora no agora - Rubem Alves
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