quinta-feira, 31 de março de 2011

Menos mãos e mais neurônios - Júlio César Lamb *

A indústria da construção civil se ressente do “apagão” de mão de obra qualificada. Trata-se de um falso problema – o que realmente faz falta no brasil é a oferta de “mentes de obra”

A indústria da construção civil se ressente do “apagão” de mão de obra qualificada. Trata-se de um falso problema – o que realmente faz falta no brasil é a oferta de “mentes de obra”

As manchetes de jornal noticiam à sociedade brasileira a existência de um verdadeiro “apagão” de mão de obra em todos os setores da atividade econômica – e, em especial, na construção civil. 

Em inúmeras matérias, fala-se da baixa qualificação dos trabalhadores. Muitas vezes, chega-se a cogitar que são eles os responsáveis pela má qualidade das edificações e, principalmente, pelo elevado desperdício de recursos e materiais que fazem a fama do setor.

Escreve-se também sobre a insuficiência de engenheiros para tocar as obras de infraestrutura à sustentação do crescimento e, ainda, para suprir as demandas habitacionais ainda não satisfeitas no Brasil.

Em um passado não muito remoto, as atividades econômicas eram dependentes da grande oferta de mão de obra. O estágio de desenvolvimento tecnológico do país assim o exigia. O termo “mão de obra” ainda é usado de forma genérica para designar todo e qualquer recurso humano necessário à realização de uma tarefa. 

Mas aqui cabe uma questão: será a “mão de obra” o recurso mais escasso? Vejamos: o mundo inteiro concorda – o Brasil inclusive – que estamos na era do conhecimento.

Qualquer ganho de produtividade nas atividades econômicas decorre da aplicação de inúmeros fatores ligados às atividades mentais. Criar, inovar, gerir, liderar, conhecer, treinar, motivar... Os verbos mais usados em dez entre dez manuais de gestão têm relação com o cérebro, e não com a mão. Logo, quando falamos da escassez de recursos humanos, talvez o termo correlacionado devesse ser falta de “mente de obra”, em substituição a “mão de obra”.

É exatamente o que ocorre na construção civil, por exemplo. Vários estudos revelam que os ganhos de produtividade passam por melhorias de projeto e seus detalhamentos, evolução do gerenciamento, mudanças que proporcionem uma maior participação de componentes industrializados e incremento da logística de suprimentos, entre outros avanços.

Todos esses fatores têm alto impacto na velocidade, no custo e na produtividade da construção civil – e todos dependem mais de um melhor desempenho de gerentes e engenheiros do que da qualificação da “mão de obra”, no sentido clássico do termo.

Alguns dados sobre o estágio de desenvolvimento tecnológico e gerencial da construção civil no Brasil são curiosos. Eles mostram que há um grande gap tecnológico e gerencial que deve ser vencido para que a cadeia produtiva do setor tenha ganhos de eficiência. 

Para entender melhor que gap é esse, é preciso distinguir os conceitos de “conversão” e “fluxo”. Conversão são todas as tarefas que convertem energia ou recursos em valor agregado. Já tarefas de fluxo são aquelas relacionadas ao transporte interno de materiais, armazenagem e tempos de espera – seja por falta de materiais, indefinições de projeto, gargalos logísticos internos e outros problemas dentro do canteiro de obras que convertem energia em custo, e não em valor agregado.

A produtividade de um operário americano chega a ser seis vezes maior do que a de um brasileiro. Aqui fica destruído o mito de que a nossa mão de obra é “barata”
Pois bem: estudos revelam que 40% do tempo dos operários da construção não é gasto em tarefas de conversão, e sim em tarefas de fluxo. E aí está a chave: reduzir as tarefas de fluxo é trabalho de gestores, planejadores e engenheiros – as mentes de obra. Até mesmo o uso de componentes industrializados no Brasil está aquém das possibilidades – o que reforça o fato de que as mentes são mais necessárias do que as mãos.

Um fator pouco analisado, mas muito interessante, é o perfil do consumo de cimento no Brasil – quando comparado ao das economias desenvolvidas. Dados recentes da indústria mostram que a qualidade desse consumo no país é precária: apenas 5,78% de todo o cimento é usado na indústria de pré-moldados de concreto, aí somados artefatos como tubos, postes e meios fios. Quando excluímos a porção desses artefatos, a parcela de consumo da indústria de pré-moldados representa apenas 2,76% do total, conforme os dados de 2004.

Já no Barsil, o cimento escoado através de revendas representa 69% do total consumido. Trata-se de um altíssimo índice de “consumo formiga”, aplicado em pequenas obras e em atividades de autoconstrução. Na maioria das vezes, esse tipo de obra é executado por operários informais, com produtividade e condições de trabalho muito baixas – e piores do que as da indústria formal de construção.

Nos países desenvolvidos, que dão mais importância às atividades de projeto e planejamento, as construções obedecem a critérios técnicos rigorosos – e a “mão de obra” é mais qualificada. Consequentemente, a atividade de construção industrializada tem maior peso no conjunto da cadeia produtiva do setor. Na Áustria, por exemplo, 18% do cimento é usado na indústria de pré-moldados de concreto. Na Dinamarca, o percentual é de 44%; na Alemanha, de 31%; e na França, de 18%, conforme dados também de 2004. 

O uso de componentes industrializados em maior escala se reflete em melhorias justamente das etapas de pré-construção, relacionadas ao projeto e ao planejamento. O resultado é uma redução do prazo das obras, um melhor desempenho na preservação de recursos naturais e a geração de menor quantidade de resíduos. Tudo isso acompanhado de um aumento no nível de segurança do trabalho – novamente, fruto da atuação de “mentes de obra”.

Um estudo mais recente, publicado pelos professores L. Mello e S. Amorim, ambos da Universidade Federal Fluminense, dá uma ideia da enorme distância que a indústria brasileira precisa percorrer até alcançar níveis semelhantes de produtividade. Segundo o estudo, a produção média de um trabalhador brasileiro era de US$ 6.177 por ano em 2005. Já a de um operário americano era de US$ 41.528 por ano – 6,7 vezes maior. Aqui fica destruído o mito de que a mão de obra é “barata” no Brasil. Pode até parecer barata, à primeira vista, quando analisamos seu custo nominal. Mas se torna cara quando analisada sob a ótica da sua produtividade.

Dentre os fatores elencados pelos professores como causa da baixa produtividade brasileira constam:
  • Baixa qualificação e desatualização da mão de obra;
  • Falta de padronização e não conformidade de materiais;
  • Quadro regulatório burocrático e deficiente;
  • Pouca utilização de soluções de tecnologia da informação;
  • Pouca utilização de equipamentos que permitam buscar maiores níveis de produtividade.
Todas estas evidências reforçam a tese de que, mais do que “mão de obra”, o que realmente falta na construção civil brasileira são “mentes de obra”.
* Diretor da Lamb Construções e Engenharia Ltda

Colaboração: Marcos Briaga

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