terça-feira, 1 de março de 2011

A difícil arte de Ser

Postado por Flávio Lettieri 



“Ser ou não ser, eis a questão.” William Shakespeare

Cobranças, compromissos, metas, performance e entrega de resultados são conceitos já completamente internalizados nos habitantes do mundo corporativo.

Um mundo onde ser competente é fator de sobrevivência e onde competir é apenas uma consequência natural do fato de estar vivo.

Nesse cenário, onde a competitividade chega a se confundir com a agressividade, muitas vezes o profissional acaba sendo reconhecido por aquilo que ele mostra ser e nem sempre por aquilo que ele é.

Assim, mais importante do que aquilo que nós somos, passa a ser a nossa capacidade de nos mostrarmos exatamente do jeito que o chefe, a empresa ou o mercado espera de nós.

Isso, sem dúvida, é um problema para a empresa, mas pode ser um problema ainda maior para o profissional.

Ao meu ver, usar essas máscaras traz dois grandes problemas para o indivíduo. O primeiro é a inerente sensação de frustração. O segundo é que mais cedo ou mais tarde, essas máscaras caem…

Bom exemplo disso foi um encontro que tive há dias atrás com o Castañeda, um velho amigo de faculdade que hoje atua como diretor comercial em um grande laboratório farmacêutico.

Ele estava chateado por ter demitido um de seus gerentes regionais.

“Eu realmente gostava do cara”, disse-me ele. “Ele sempre se mostrou um cara espirituoso e alegre. Seus relatórios indicavam bom desempenho. O problema é que era tudo maquiagem. Os resultados reais estavam muito abaixo do que vinha sendo relatado. Não sei se me sinto pior por ter sido enganado ou por ter sido tão ingênuo e não ver o que estava escancarado”, desabafou o meu amigo.

O que aconteceu com o Castañeda acontece a todo instante no mundo corporativo.

Quando se trata de fraudar relatórios, em pouco tempo os próprios números mostram a verdade. O problema é quando o que se esconde são as dificuldades de relacionamento, os desvios de caráter, a falta de um real compromisso com o trabalho ou a própria incompetência para uma tarefa ou função. Nesses casos, as máscaras podem se sustentar por um longo tempo e ao custo de muito sofrimento para aqueles que fazem parte do time.

Criar estruturas organizacionais com mecanismos de competição interna e programas de avaliação que não só permitem, mas que estimulam o uso de máscaras é um problema muito mais frequente do que se pensa.

Muitas empresas, sem perceber, estão permitindo que pessoas que fingem ser competentes ganhem o espaço daquelas que, apesar de verdadeiramente competentes, não conseguem mostrar o que sabem, ou melhor, não conseguem fazer sua promoção pessoal.

Ingenuidade? Gaps de liderança? Problemas com os sistemas de avaliação? Uma mistura de tudo isso?

Pode ser. Mas, acredito que exista algo mais profundo, ligado à cultura e aos valores das organizações.

Quando valores como a integridade, a transparência e a ética estão inseridos no dia a dia da empresa, o profissional pode assumir sua verdadeira identidade, inclusive suas inseguranças e suas dificuldades.
Por outro lado, quando a cultura da barganha, do “jeitinho”, da superficialidade nas relações e do preconceito está presente, o uso dos disfarces como fator de sobrevivência também estará presente.

Nesse tipo de cultura corporativa, as pessoas, também sem perceber, acabam se transformando em profissionais commodites, descartáveis, que, de tanto se adaptarem às constantes mudanças, perdem as próprias referências de quem são de verdade.

As empresas precisam estar atentas a isso.

Mas, sobretudo, os profissionais devem estar atentos a isso.

Flexibilidade, resiliência e capacidade de acompanhar mudanças são, sem dúvida, competências indispensáveis. O que não podemos perder de vista são os nossos valores, a nossa identidade.

Crescer profissionalmente é um excelente objetivo de vida. O que não devemos é, em nome da carreira, transformarmo-nos em um produto de consumo que agrade ao gosto do mercado e que muda de sabor quando mudamos de empresa ou de cliente.

Tenho visto muitos profissionais reconhecidos e bem sucedidos reclamarem de uma sensação de vazio dentro de si. Pessoas que supervalorizaram as suas carreiras e profissionais que deixam suas vidas pessoais para um segundo plano.

Eu realmente acredito que não adianta chegar longe se não chegarmos inteiros. E acredito que todas as vezes que abrimos mão de sermos quem somos para mergulharmos em um personagem, deixamos um pedaço de nós pelo caminho.

Tenho consciência da competitividade no mundo e sei que é dura a caminhada para o tão almejado sucesso. Mas, acredito, de verdade, que entre um passo lento ou um passo rápido, podemos apenas ficar com aquele que seja o mais firme.

Se a jornada for demorar um pouco mais não importa, afinal o que vale de verdade é saber que quem chegou ao final fomos nós mesmos e não as nossas máscaras.

Um grande abraço.

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