terça-feira, 12 de abril de 2011

Superqualificados e ignorados - Luiz De França

As empresas ainda resistem em recrutar jovens que saem das universidades com título de mestre e doutor. Eles representam um exército de 50 000 profissionais capacitados
Armando Lins Netto, 42 anos, Ph.D. em engenharia e vice-presidente na Tivit: transição bem-sucedida da academia para o mundo corporativo Brasil sofreu, por muito tempo, de um fenômeno que lá fora ficou conhecido como brain drain, ou fuga de cérebros. Trata-se da evasão de profissionais altamente qualificados por falta de oportunidades de trabalho.

Até 2007, o país era responsável por 5% do total de emigrantes com nível superior vivendo fora de sua pátria, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

O cenário hoje é absolutamente diferente. Isso porque as oportunidades de emprego no país são muito maiores do que as dos países do Hemisfério Norte, principal destino da nossa mão de obra bem capacitada. Como efeito, profissionais liberais e aqueles com formação acadêmica especializada têm optado por fazer carreira por aqui.

Porém, essas duas categorias de trabalhador têm empregabilidade diferenciada. Os jovens que optam por seguir estudando após a graduação, e vão atrás de títulos de mestrado e doutorado, têm menor chance de fazer carreira em uma empresa em relação aos colegas que enviam seu currículo ao departamento de RH logo após a primeira graduação.

Ironicamente, presidentes de empresas, executivos de RH e headhunters reclamam da falta de mão de obra qualificada em todos os níveis hierárquicos, quando há 50 000 jovens com diploma de mestre e doutor, titulados apenas no ano passado. Esse grupo representa uma reserva de gente qualificada. Porém, poucas empresas os enxergam como talentos em potencial.

Parte da explicação se deve ao fato de que eles têm boa base acadêmica, mas pouca experiência prática. Em países como Estados Unidos e Inglaterra, isso não é um problema. É comum encontrar mestres e doutores atuando em consultoria, bancos de investimento, empresas de tecnologia e bens de consumo.

"No Brasil, um número crescente de companhias tem se interessado por esses profissionais", diz Alexandra Klen, diretora de inovação e marketing da consultoria de gestão empresarial Axia Value Chain, de São Paulo.

"Essa discrepância de valores se explica pela cultura empresarial brasileira de valorizar a experiência em detrimento da formação acadêmica", diz Marcelo Cuellar, gerente da divisão de RH da consultoria Michael Page, especializada no recrutamento para a alta e média gerência.

"Para a grande maioria dos recrutadores, o título não pesa na hora de abrir uma vaga, o que interessa é a geração de resultados para a empresa", completa Marcelo. E, para isso, os empregadores avaliam a experiência anterior do candidato.

Há ainda outra questão: o custo da mão de obra. Um profissional titulado costuma ser mais caro e, por isso, os empregadores tendem a preferir recém-formados.

Os recrutadores também argumentam que as universidades brasileiras formam um profissional despreparado para ingressar no mercado de trabalho. "Nós formamos profissionais que servem para a Embraer, Embrapa, Petrobras e Vale. 

Por que eles não servem para as outras companhias? Isso é uma desculpa para não contratar pesquisadores", diz Jorge Almeida Guimarães, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

Em empresas como a Monsanto, multinacional de tecnologia em agricultura que desenvolve pesquisas em biotecnologia, a especialização é uma das ferramentas que podem gerar soluções diferenciadas para o campo.

"Em diversos segmentos, o desenvolvimento de tecnologias se baseia em pesquisas. É muito comum que os profissionais que trabalham com o tema desenvolvam seus estudos em universidades antes de iniciar os trabalhos em empresas privadas", diz Patrícia Prieto, gerente de captação de talentos. Outra indústria que recruta muitos mestres e doutores é a farmacêutica.

Um exemplo é a Genzyme do Brasil, que tem 60% de seus funcionários com título de mestre, doutor ou ambos. Muitos dos profissionais com esse perfil escolhem seguir a carreira acadêmica, até por uma questão de vocação. Armando Lins Netto, 42 anos, imaginava ser um deles, mas, ao final do curso de doutorado em engenharia mecânica pela Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, descobriu que a vida corporativa era mais atraente e resolveu fazer a transição. "Nos Estados Unidos, é comum que as indústrias de alta performance busquem profissionais com Ph.D. nos centros de pesquisa", diz.

Dez anos depois e hoje vice-presidente de terceirização de infra estrutura de tecnologia da informação na Tivit, Armando diz que parte do mercado está aprendendo a valorizar o método analítico que a vida acadêmica proporciona.

"É da natureza acadêmica trazer contribuições inéditas, e essa dinâmica levada ao mundo corporativo é muito útil", diz. Vale lembrar que, enquanto em países como Alemanha, Canadá, Japão, França, Inglaterra e Estados Unidos 97% das patentes produzidas vêm das empresas e só 3% das universidades, no Brasil a estatística é inversa.

A academia responde por 61% das patentes criadas. Quando escolas como a Universidade Estadual de Campinas, no interior de São Paulo, produzem mais patentes do que a Petrobras está na hora de a indústria brasileira rever seus conceitos e costumes em relação à contratação de acadêmicos.

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