Cai a folha, o fruto, o
dente, a chuva. Surge o tesão, as espinhas, a menstruação, o verão. Crescem o
peitinho, a ansiedade, os jeitinhos e as opiniões. Mudam as formas, o clima, o
corpo, as estações.
Passam as horas, os dias,
alegrias e expectativas. Passa o choro de ontem, a ilusão de anteontem, o amor
que se mostrava eterno no ano passado. Passa a chuva e o calor. A compulsão de
comer chocolate, assistir àquele filme, ir para a balada esta noite, ficar com
o gatinho que parecia especial, também passa.
Passam certas necessidades
a serem colocadas a limpo. As qualidades, os defeitos, as metas e planejamentos
para o próximo ano, são passados para a agenda nova.
A adolescente, viçosa e
manhosa, começa a passar hidratantes na pele iluminada e batom nos lábios.
Aquelas ondas tão altas concordam em se aquietar um pouco para você passar com
a sua prancha para além da rebentação.
Nasce a vontade de
crescer, ter a chave de casa, viajar com os amigos, entrar para a faculdade.
Conseguir o diploma e já pensar no mestrado.
Urge ir à praia, comprar
biquíni novo, experimentar o bronzeador cor de mate, tomar um chope geladíssimo
na hora do almoço.
Urge também criar coragem
e se declarar para o professor de anatomia. Dizer poemas em voz alta para
Manoel de Barros, abraçar em sonhos os caleidoscópios de Fernando Pessoa, as
reflexões de Drummond, as delicadezas transparentes de Mário Quintana.
Notam-se os traços do
líder, da mocinha politizada, da rebeldia inconteste, dos iconoclastas
declarados. Registram-se os movimentos do gesto solidário, as virtudes
dos ideais multiplicados. Notam-se a intransigência e a ganância dos políticos,
só menor que suas falácias, tramoias e ardis.
Anoitecem as verdes
querências, as antigas indulgências, as compulsões pelos porres e as ressacas.
As inconsequências, saudosas irresponsabilidades, a certeza de que o universo é
infinito, porém menor que a estupidez humana.
Nasce mais adiante a
vontade de casar, comprar apartamento, e se não der, alugar um, de preferência
na zona sul da sua cidade. Ter um filho é um desejo que nasce
invariavelmente. Vem o primogênito, então, mais parecido com um lindo
bebê de borracha, que todos anseiam apertar e mordiscar.
Nasce ainda a vontade de
transar com a mulher do melhor amigo, porque é proibido proibir. De escrever às
escuras uma biografia não autorizada da sua vizinha, que todas as noites troca
de visitantes. Seu apartamento, o porteiro comenta à boca pequena, mais
se assemelha a porta de bar, ostentando diuturnamente um
entra-e-sai fervilhante.
Muda o gosto pela leitura,
pela música, como é legal escutar música clássica, a moda comportada, que dá
lugar à irreverência fashion. Muda o corte de cabelo, a cor das mechas, o
tamanho dos seios, com alguns bem vindos mililitros de silicone. O jeito de
andar, de seduzir, de beijar e se apaixonar.
Mudam as exigências, as
compreensões dos defeitos alheios, a semântica dos conceitos de fracasso,
autoestima e amizade. Muda-se o gesto contido e egoísta para a ação coletiva.
As manifestações e passeatas nas ruas.
O modo mais enérgico de
acordarmos o gigante sonolento, cujo leito tem as dimensões do Brasil.
Mudam o tom e o conteúdo das reivindicações ao governo que
nunca-está-nem-aí-para o povo, as demandas, agora mais claras e
incontestáveis.
Sacodem-se os projetos
ainda em gestação, as poeiras do passado, as relações desbotadas, os discursos
maquínicos. As poeiras dos tapetes, as roupas nos varais, as belas ancas, que
dançam soltas um forró delicioso e gingado com um, dentre os inúmeros
e afoitos pretendentes.
Aprende-se a viver mais de
mansinho, a morrer sem estardalhaço, a trocar a costumeira arrogância por duas
doses de humildade. A trancar mentiras feias nas gavetas da consciência.
Aprende-se a buscar rotinas mais éticas, um corpo mais harmonioso, relações
mais mágicas e férteis, no amor e no trabalho.
Aprende-se a dançar um
tango vertiginoso, embebido em estrógenos e testosteronas que circulam sem
parar pelos salões da tentação.
Se aceita o envelhecer, a
memória preguiçosa, a vitalidade que decai aos pouquinhos, a comida com menos
sal, porque a pressão não pode subir tanto. Tolera-se refrear a gula, alternar
sonhos iridescentes por outros mais pertinentes. As perdas que doem tanto, as
criticas alheias, às vezes implacáveis. As injustiças tremendas que os correios
do acaso remetem sem aceitar devoluções.
Tolera-se, com tristeza, é
verdade, o amigo que desistiu de você, a falsidade dos outros, a esperteza de
alguns que acabam sendo flagrados, felizmente, por sua intuição em estado de
alerta.
Hospeda-se a doença, às
vezes insuperável, o tumor a ser extirpado, a morosidade das horas, a sucessão
de exames clínicos, a austeridade do silêncio, indispensável em certas etapas
da existência.
Suportam-se despedidas,
longas ou curtas, abandonos inexplicáveis, o crepúsculo da vontade, em seu
estágio mais débil. O lamentável definhar de sorrisos e acolhidas familiares,
histórias esgarçadas pelo medo, indiferença, inveja e desamor.
Compreende-se a beleza
muda e estonteante de alvoradas. As promessas da natureza, ao oferecer, a quem
sabe apreciá-la, seu o hipnótico balé de pássaros e borboletas de todas as
cores. A liberdade no voo das águias, a elegância das garças e girafas, o faro
de panteras à espreita de pobres alvos distraídos. A amizade buliçosa dos
golfinhos, cuja euforia espalha-se no mar quente e escandalosamente azul.
Descobre-se, por fim, a
sabedoria embutida no verbo crescer. Nos imprescindíveis desapegos diários. Nas
despedidas de hábitos inúteis, situações e pessoas.
Porque afinal constata-se
que crescer também é um pouquinho isso: ir dizendo adeus para as coisas.
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